Realizou-se ontem, em Coimbra, na Casa Municipal da Cultura, a apresentação do livro A FOTO. Ao longo de uma vasta mesa alinhavam-se os oito autores do livro, a Inês Figueiras em representação da Editora Âncora e os apresentadores José Manuel Pureza e Manuel Alegre ilustres coimbrões que tiveram além da gentileza de aceitar o nosso convite a amabilidade de enaltecerem o significado do livro como um importante e multifacetado testemunho das lutas dos Portugueses pela Liberdade.
A sessão foi iniciada por Inês Figueiras a cuja intervenção se seguiram as de Teresa Tito de Morais Mendes em representação dos oito autores, de José Manuel Pureza e de Manuel Alegre.
De momento temos disponíveis apenas as belíssimas palavras da Teresa que aqui vos deixo. Em breve terei, espero, as outras intervenções e, se demorarem, farei algumas considerações com prudente cautela para não destoarem excessivamente do brilho daquelas.
Eis a palavra da Teresa Tito de Morais Mendes:
Cabe-me a mim falar em representação dos 8 autores do livro “A Foto e o reencontro meio século depois ….”
Faço-o
com enorme prazer, embora ciente de que vou ter alguma dificuldade, e vou ficar
muito àquem das apresentações dos meus amigos, co-autores do livro, a começar pela
do Raimundo, o grande impulsionador desta “aventura”, na Aula Magna da Reitoria,
em Lisboa, no passado dia 11 de Junho.
Começo
por saudar todos os presentes, nomeadamente o Manuel Alegre e José Manuel
Pureza que aceitaram apresentar o nosso livro em Coimbra. Agradecer à Casa
Municipal da Cultura pela hospitalidade para a realização desta sessão.
De
gerações diferentes, com olhares também diferentes, vai ser bom ouvir o Manuel
Alegre e José Manuel Pureza. Vão certamente analisar um período marcante da
história do nosso país, sentir o pulso das nossas emoções, através das
histórias contadas no livro, dos percursos de vida de cada um de nós, da luta
contra o regime fascista, das associações e pró-associações dos estudantes, da
prisão, do exílio, da guerra colonial, dos encontros e desencontros e sobretudo
dos afectos.
Conheci
o Manuel Alegre na Suíça, nos anos 60, onde eu e o Jaime morávamos. Vivia em
Argel e de vez em quando deslocava-se à Europa. Talvez ele já não se lembre,
mas uma vez estava em França, em Lyon, e pretendia entrar na Suíça. Viajava com
passaporte falso. Eu, o Jaime e o Eurico Figueiredo fomos buscá-lo de carro e
quando passámos a fronteira, em Genève, receosos que ele fosse apanhado, vimos
com surpresa o guarda a examinar minuciosamente os nossos passaportes (
passados pelo Consulado de Portugal ), sobretudo o do Eurico.
Quanto
ao do Manel, que era completamente falso, o polícia afirmou: “Este não levanta
qualquer dúvida”. Levou então os nossos para verificações mais cuidadas….
Na
altura em que tirámos a Foto, o
Manel Alegre estaria seguramente em Angola, onde foi preso pela PIDE em 1963.
Quanto
ao José Manuel Pureza também já lá vão alguns anos que nos conhecemos, quase
20….. Foi em 1995, por aí, quando ele entrou no escritório do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados, em Lisboa, para nos convidar a dar uma
aula, sobre o asilo e os refugiados, para os estudantes de Relações
Internacionais, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Professor,
investigador do CES, defensor inabalável dos Direitos Humanos, grande pedagogo,
muito querido dos seus alunos, entendeu sempre o ensino com uma componente prática,
que só uma organização com trabalho no terreno pode transmitir. Começámos assim
uma boa e frutuosa colaboração que se estendeu por vários anos. O Zé Manel
Pureza, por outro lado, passou a ser convidado “residente” de todos os Congressos
Internacionais do Conselho Português para os Refugiados, na Gulbenkian, com intervenções
magníficas sobre as questões ligadas aos Direitos Humanos, Migrações e Estudos
para a Paz.
Obrigada
também à Editora Ãncora, e ao António Batista Lopes, na pessoa da Inês
Figueira, pelo entusiasmo e força que nos deram para terminarmos este projeto e
editar o livro.
Tudo
começou por uma fotografia dentro de
uma caixinha, perdida algures no quarto da Noémia. Há quem diga que estava
dentro dum baú. Eu, por meu lado, imaginei a Noémia, numa crise frenética de
limpeza, de espanador na mão, a encontrá-la debaixo da cama, qual tesouro
escondido.
Mas
decididamente não foi assim. A Noémia estava sossegadamente sentada no sofá,
com uma ponta de nostalgia, pegou ao acaso numa caixa e encontrou a foto, já um pouco amarelecida, tirada
no Instituto Superior Técnico durante um jogo de futebol, com uma claque
feminina de 5 jovens, seguramente no ano de 1963.
Foi
para o computador e enviou-a para o Jaime, dizendo: “Olha o que eu encontrei?”.
Por
seu lado, o Jaime mandou-a para o Raimundo e, tempos depois, nos finais de
Janeiro de 2010, o Raimundo lançou o desafio:
“…a fotografia
dos colegas de 1963 sugeriu-me a ideia de fazermos um livro. Digam-me o que vos
parece ideia tão insensata.”
No
ficheiro anexo propunha ainda “um livro
escrito a tantas mãos quantas os que, entre nós, se atrevam a tanto”.
As
modernas técnicas de comunicação, o correio eletrónico e o Facebook serviram
para identificar a maioria dos colegas. Dois desses estudantes não chegaram até
nós: José Gameiro, falecido na Africa do Sul em 1978, e Luís Bénard da Costa,
que morreu em 2008. Do grupo, 11 são estudantes do ISTécnico, dois da Faculdade
de Ciências, um de Medicina e seis do último ano dos liceus.
Permanece
o mistério, quanto à identidade da jovem do meio. Passámos a chamá-la Mata Hari…. e
interrogamo-nos também com a dúvida de “quem teria tirado a fotografia”
O
primeiro encontro deu-se, em Abril de 2010, na nossa casa em Casais da Aroeira.
Compareceram 12, acompanhados dos maridos e mulheres. Trouxeram vinhos e
sobremesas, encheram a casa de alegria.
Alguns
já não se viam há mais de 4 décadas, sabíamos de outros pelas notícias, e poucos
mantinham relações próximas. Mas parecia que o tempo não tinha passado. O
sentimento foi de grande cumplicidade. Marcados por experiências diversas, permanecíamos
unidos por aquilo que nos juntou 47 anos antes: a luta por um país com liberdade
e democracia.
Seguiram-se
outros convívios, em casa da Paula e do Mário Lino, na Ericeira, do Joaquim e
da Berta, na Verdizela, e no atelier do Pancho, em Lisboa, distinto pintor
Francisco Ariztia, que ofereceu uma imagem lindíssima para o marcador do livro,
onde a Noémia nos serviu as célebres “empanadas”.
Por
razões várias apenas oito acabaram por participar no livro e foi combinado que
relataríamos, com toda a liberdade, cenas da nossa vida desde 63 até aos dias
de hoje.
Assim,
o Joaquim Letria apresenta, com a sua pena ágil e o sentido de humor que lhe é
característico, um a um, cada protagonista desta história. O Jaime Mendes conta
a passagem a salto para o exílio e os tempos conturbados das campanhas de
dinamização, após o 25 de Abril. O José Gomes Pina fala-nos da sua infância em
terras beirãs e na guerra colonial. O Mário Lino relata a história de muitos
estudantes que chegavam das colónias para estudar em Portugal e a sua passagem
pela Universidade, que marcaram a sua formação e futuro como homem e cidadão.
A
Noémia faz um relato fantástico sobre a sua saída de Portugal, sozinha, com
apenas 19 anos, a passagem por Londres, Paris e pela
Jugoslávia, onde se junta a um grupo de estudantes latino-americanos. Aí
conhece e casa com o jovem pintor chileno Francisco Ariztia que a leva para o
Chile de Allende, de onde tem de fugir debaixo da repressão do regime de Pinochet.
A
Paula lembra a sua família, os tempos passados em África, a sua chegada a
Lisboa para completar o ensino liceal num colégio religioso, e o novo mundo que
se lhe abre com a participação na Associação de Estudantes da Faculdade de
Ciências de Lisboa.
O
Raimundo prende-nos com a sua vida na clandestinidade, a sua estada em Moscovo,
o regresso a Portugal e a actuação da ARA.
Eu,
pelo meu lado, faço uma homenagem à minha família, lembrando a perda do meu
avô. Recordo os tempos da prisão e o meu compromisso presente com os direitos
humanos e os refugiados.
Este
livro que aqui vos apresentamos não é, de maneira nenhuma, um livro saudosista
do passado, é um livro de memórias de uma geração que apostou nos valores da
liberdade, do progresso, da justiça social, e que continua unida para que não
se volte para trás.
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