A FOTO


2013-04-30

EM NOME DOS AUTORES

Eram 11 horas de domingo, 28 de Abril de 2013. Estávamos no auditório da feira OVIBEJA. Decorria a apresentação do livro A FOTO e o reencontro meio século depois. Já tinham falado António Baptista Lopes pela editora Âncora e António Sancho, director da revista MAIS ALENTEJO, que fez a apresentação do livro quando anunciaram: "E agora tem a palavra Noémia de Ariztía, que vai falar em nome dos autores.
" Ecoou então pela sala um expectante silêncio enquanto, meio sussurrado, se ouvia uma voz de criança chegando-se à mãe "É aquela do cabelo encarnado?" 

NOÉMIA DE ARIZTÍA:
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Todas íbamos a ser reinas,
de cuatro reinos sobre el mar,
Assim começa o seu poema Gabriela Mistral, poetisa chilena Prémio Nobel da Literatura em 1945.
 
Nós, pelo contrário, nos idos anos de 63, sabíamos que o nosso futuro não estava tão garantido. Mais exactamente, era muito incerto. Jovens todos a despertar para a vida mas já com uma consciência muito clara das injustiças que então se viviam em Portugal, só as certezas da juventude nos animavam.
E um dia, já entrados em idade, voltámos a encontrar-nos e decidimos rever os nossos percursos. O pretexto foi uma fotografia esquecida durante quase 50 anos e encontrada, já um pouco amarelecida, no fundo de uma caixa.

Descobrimos então que embora nenhum de nós tivesse sido rei nem rainha, todos tínhamos conseguido ultrapassar os perigos das perseguições da polícia política (a PIDE) e os altos e baixos de uma vida para todos nós bastante acidentada e imprevista. E descobrimos também que aquilo que nos unira lá longe, há 50 anos, nos continuava a unir – a comprovada amizade e uma ética de vida, princípios e lealdades que hoje, na catastrófica situação política que o nosso país vive, se afirmam mais necessárias  do que nunca. 

Foi esse relato que decidimos fazer ao escrever este livro. Na fotografia original aparecem 21 jovens estudantes – a maioria já na universidade e outros ainda nos liceus. Diligentemente o Raimundo Narciso conseguiu encontrar-nos todos, mas soubemos então que 2 amigos tinham já falecido. Dos restantes 19, por dificuldades várias, foram 8 os que se decidiram a empreender a tarefa de relatar as suas vidas. 
São eles, e refiro-os pela ordem em que aparecem no livro:
 
O Joaquim Letria, brilhante jornalista e sobejamente conhecido, não necessita de apresentações. No seu texto ele recorda-nos e retrata-nos a todos quando jovens. E devo confessar que o seu texto muito nos emocionou. 

O Jaime Mendes, médico pediatra, a quem agradeço o cuidado com que diligentemente acompanhou a infância dos meus filhos, relata a sua acidentada fuga a salto, guiado por um contrabandista, depois de descobrir a traição do funcionário do PCP Nuno Álvares Pereira.  A sua chegada à Suíça, onde se formou, se casou com a Teresa Tito de Morais e nasceram os seus dois filhos. E depois o regresso, já depois do 25 de Abril, e a obrigação de cumprir o serviço militar. Como médico foi enviado para a região de Viseu, integrado nas Campanhas de Dinamização e Acção Cívica, tão importantes naquela época em que ainda não existiam nem Centros de Saúde nem Médicos de Família. 

O José Gomes de Pina, Engenheiro civil com intervenções profissionais em várias obras que marcaram a nossa modernidade. Vindo de Viseu para estudar Engenharia no I.S.T., descreve-nos a adaptação e integração de um jovem “beirão” na grande cidade que era a capital do País e a descoberta dos valores da vida associativa na Associação de Estudantes do IST. Foi o único deste grupo que fez o serviço militar em África, Angola, já como Engenheiro.

O Mário Lino, Engenheiro também sobejamente conhecido, fala-nos dos seus anos de estudante vindo de Moçambique, e cito as suas palavras – “foram anos extremamente ricos em acontecimentos nos planos nacional e internacional, que marcaram indelevelmente a minha formação cívica, politica, cultural, científica, técnica e profissional, influenciando o meu futuro como homem e cidadão”.

A Paula Mourão, Geóloga nascida em Moçambique e casada com o Mário Lino. Traz-nos as imagens de África, tão presente na nossa história e também a adaptação de uma jovem (desta vez no feminino) à vida na metrópole. Fala-nos também da prisão do seu companheiro – o Mário Lino – e do seu regresso a Moçambique, desta vez como cooperante, já casada e com os seus dois filhos.

O Raimundo Narciso, que durante 10 anos viveu na clandestinidade com a sua companheira, a Maria, como funcionários do PCP, e que conseguiram a extraordinária proeza de nunca terem sido presos. Foi ele também o responsável pelos vários contratempos criados pela actuação da ARA no tempo “da outra Senhora”. De nós todos, o Raimundo foi o que teve um percurso político mais empenhado. No seu texto o Raimundo imagina como teria sido a reacção daqueles jovens se tivessem sido de repente, assim, por artes da super-tecnologia, confrontados com a actualidade.

A Teresa Tito de Morais Mendes, minha amiga desde os primeiros anos do Liceu, ela ainda de caracolinhos e eu de tranças, fala-nos do seu avô, o Almirante Tito de Morais – figura marcante da nossa República que no dia 5 de Outubro bombardeou o Palácio das Necessidades e que para nossa vergonha já não é um dia para ser recordado como heróico, e fala-nos também do seu do seu pai, um dos fundadores do Partido Socialista. Conta-nos também como aos 18 anos a PIDE a foi buscar ao avião que a iria levar ao exílio na Suíça, os meses de prisão, finalmente o exílio na Suíça, onde se casou com o Jaime Mendes e teve dois filhos. E depois o regresso a Portugal e a criação do Conselho Português para os Refugiados, que exemplarmente preside tentando dar apoio aos que, como nós naqueles anos cinzentos, continuam a necessitar fugir dos seus países e encontrar um refúgio digno de um ser humano.

 E finalmente eu, Noémia Simões de Ariztía, saí do País com 19 anos, andei por vários países – Inglaterra, França, Jugoslávia (hoje Sérvia), onde casei com um pintor chileno (que também participa neste livro com o colorido separador que dele faz parte integrante). Depois Itália e finalmente o Chile, à procura da sociedade ideal, que tinha chegado ao socialismo graças aos votos dos seus cidadãos, mas de onde tive de sair, já com uma filha, não sem alguns percalços depois do golpe militar de Pinochet ter deitado por terra tanta esperança.

 Tentei aqui fazer um pequeno resumo deste livro escrito com muito entusiasmo. Agora terão de o ler para descobrir o que aqui apenas se antevê como aperitivo.
 Resta-me agradecer a todos aqueles que nos permitiram primeiro publicar e em seguida divulgar em Beja a nossa iniciativa:
À Editora Âncora e ao António Batista Lopes por ter acreditado que o nosso livro valia a pena.
Ao Dr. António Sancho, ilustre Director da revista "Mais Alentejo", que amavelmente acedeu a fazer aqui a apresentação do nosso livro.
E à OVIBEJA, que nos cedeu este espaço e nos permitiu contar aqui as nossas histórias.
Só quero aqui fazer mais uma referência. A homenagem à proverbial boa cozinha portuguesa - nos animadíssimo almoços em que, com o pretexto da preparação dos nosso textos, íamos festejando o nosso reencontro e em todas as apresentações deste livro realizadas em Lisboa, no Porto, em Coimbra, em Viseu, em Vila Franca de Xira e agora em Beja, onde nos deliciámos com as variadas especialidades características de cada região, numa insofismável demonstração de que o nosso pais, embora pequeno em extensão, é enorme em qualidade de vida. Urge por isso defendê-la custo o que custar. 

E termino como comecei, com palavras de Gabriela Mistral 

"En la tierra seremos reinas,
y de verídico reinar,
y siendo grandes nuestros reinos,
llegaremos todas al mar."
O nosso reino é enorme, e chegaremos todos ao mar. É esta a certeza que nos move.
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«A Teresa Tito de Morais Mendes, minha amiga desde os primeiros anos do Liceu, ela ainda de caracolinhos e eu de tranças»:
Noémia de Ariztía
Beja, 28/Abril/2013

A Foto: A última tomada de Beja

A Foto: A última tomada de Beja:   Fomos a Beja. A cidade foi fundada pelos Celtas 400 anos a.c.. Depois os romanos tomaram conta dela. E do resto da península. Chamara...

Excelente texto este do já famoso escritor Raimundo Narciso, em que nem faltou uma lição de história ou não fosse ele da direcção do NAM.
Apenas algumas precisões que vêm somente enriquecer a história:

  1. - Falta um cavalo a vapor, que é, nem mais nem menos, o meu velhinho Citroen C5, que pode bem ombrear com os Fords e BMWs germânicos.
  2. - Confesso que já não me recordava que o meu antepassado Gonçalo Mendes da Maia tinha reconquistado Beja
  3. - Na verdade esta ida à Ovibeja foi também um passeio de saudades e reencontros, desde o meu amigo Moleiro até aos meus primos, do lado Teixeira, Verónica e seu filho Fernando que nos acompanharam no lançamento do livro assim como no almoço. 


2013-04-29

A última tomada de Beja

 
Fomos a Beja. A cidade foi fundada pelos Celtas 400 anos a.c.. Depois os romanos tomaram conta dela. E do resto da península. Chamaram-lhe Pax Julia. A seguir vieram os Mouros que estadeavam por perto, por Marrocos e eram senhores da Andaluzia e outras partes sulenhas da Ibéria.

Por último fomos lá nós, os portugueses, ainda pouco portugueses, ora sob as ordens do rei Afonso ora do rei Sancho seu filho ou das Ordens militares que no fundo era o mesmo ou no fio da espada de aventureiros de vender a alma ao diabo, como o Geraldo, o Sem Pavor. Geraldo e o seu bando tomou a cidade aos muçulmanos, pilhou-a, incendiou-a, derrubou as muralhas e abandonou-a em seguida, em 1162. Ao que parece, se não é confusão de data de gente que não passava ao papel as suas façanhas, voltou a fazer o mesmo dez anos depois.
Ora nossa ora deles Beja esteve na mão do Lidador, o valente cavaleiro Gonçalo Mendes da Maia, nomeado fronteiro-mor de Beja por Afonso Henriques. Em 1170, Mendes da Maia quis festejar o seu 95º aniversário com uma surtida contra os mouros e nela morreu. Mais lenda menos lenda ficou herói de Beja e tem lá uma estátua de 5 metros de altura que bem merece. Os Almóadas que escolheram Sevilha para sede do seu poder recuperaram-na em 1175. Umas vezes na mão do Califa outras na do rei de Portugal Beja, Pax Julia ou Baju, como os sarracenos lhe chamavam, acabou portuguesa.
Decidimos ir a Beja neste domingo, 28 de Abril de 2013 para ver em que pé estavam as coisas. Partimos cedinho e o pretexto para a nossa surtida era a apresentação do livro A FOTO, a lusitanos ou mouros no caso de alguma investida destes feita de surpresa. Partimos bem artilhados em potente cavalaria (cavalos/vapor?) das melhores raças: BMW, Ford, Peugeot, Honda.
À hora combinada, à entrada da OVIBEJA lá nos encontrámos todos os oito autores com os seus maridos ou mulheres, e também alguns filhos, noras e amigos. A cidade apresentava-se em festa e sem sinais de escaramuças. O ambiente era apenas ensombrado pelas núvens negras do poder central na mão de um almóada, um tal Passos Coelho, escudeiro do Kalifado sarraceno-prussiano de Berlim.
A Feira estava portentosa. Pavilhões com tudo o que se pode esperar que esteja numa feira. E, por todo o lado comida, acepipes, doces, vinhos. Ao que me garantiram a OVIBEJA já supera a célebre feira de Santarém. Esperava-nos o Dr. António Sancho (lá está, Sancho! , como no século XII ) director da excelente revista MAIS ALENTEJO que foi o apresentador do livro no auditório da feira. A sessão teve início às 11h (pontualidade à portuguesa!) e aberta pelo nosso editor da Âncora e amigo António Baptista Lopes que não se furtou a vender livros mal a sessão terminou. Seguiu-se-lhe na palavra António Sancho que foi rigoroso e conciso e por fim, em representação dos autores falou Noémia de Aríztia e fê-lo com tal proficiência e desempenho que viu recompensada a sua excelsa intervenção com uma demorada salva de palmas. Com tão buriladas palavras antevi uma corrida ao livro.
Na sala estava também o nosso anfitrião na qualidade de responsável pela feira e pelo auditório, Lopes Guerreiro, que é também candidato à Câmara Municipal de Beja com o estatuto, cada vez mais apertecível, de independente. O Jaime Mendes e eu encontrámos um velho amigo que não víamos há muito, o médico Dr.Agostinho Moleiro um homem da terra. Jaime Mendes não o via desde as campanhas de dinamização da saúde do saudoso PREC e eu desde os tempos em que ambos experimentámos a Assembleia da República no consulado de Guterres.

A nossa apresentação teve ainda a presença de gentes longínquas. Como já é habitual tivemos o previlégio da presença do pintor chileno Francisco Ariztia que teve a astúcia e o bom gosto de casar com a Noémia. Connosco também uma luso-neerlandesa, a nossa querida amiga Isabel Galacho e ainda uma simpática e também já querida amiga, argentina, a Carina Yoncheff, até nós trazida pela activista de todas as causas boas Ana Sá Gomes Pena.

Com tanta internacionalização demos um cunho cosmopolita à feira que foi, espero eu, muito notada em toda a cidade. Um ponto alto do nosso avanço sobre a capital do Baixo-Alentejo foi o almoço, um momento de profunda introspecção ajudado por bom vinho e adequadas sobremesas e muitas anedotas “chistes” e outras picardias.

O mérito desta sortida ao Alentejo profundo cabe todo ao autor mais famoso do nosso livro o grande artista da palavra e grande jornalista Joaquim Letria (disputa a afama com outro autor o ex-super-ministro Mário Lino e sua esposa, a Paula Mourão porque atrás de um grande homem quem é que está sempre? Uma grande mulher. Vejam os Obamas, por exemplo) Pois os responsáveis por esta reconquista de Beja aos Almóadas são o Joaquim Letria ou talvez mais ainda a sua mulher, a Berta, especialista em assuntos aeronáuticos, que o conduziu pontualmente à antiga Pax Julia.

A organização geral do evento foi propositadamente caótica. Mas um caos meticulosamente organizado para que tudo parecesse que ia correr mal mas afinal tudo corria bem como realmente sucedeu. Creio que houve a preocupação de mostrar que “há muitas formas de matar pulgas”e de mostrar a diferença com Viseu onde o autor Gomes de Pina tinha revelado a que alturas inimagináveis era possível elevar a organização logística rigorosa de um complicado evento.
Uma presença incontornável pela simpatia irradiante que empresta a estes nosos filosóficos empreendimentos e que não posso omitir nesta notícia foi a da Teresa Tito de Morais que se vê na mesa sempre a meu lado em todas as apresentações que realizámos. Como a ordem na mesa é alfabética dizem que é por isso que fica sempre a meu lado mas eu estou certo que é para me demonstrar a sua amizade. Por fim queria referir a autora Maria Machado que não sendo autora do livro é autora de algumas das mais belas fotografias destas sessões.
 
Pax Julia, Buja, Beja.


 

2013-04-08

A FOTO em Vila Franca de Xira

No Sábado 6 de Abril, a partir das 16 horas, no Museu do Neorealismo, ocorreu a apresentação do livro A FOTO, em Vila Franca de Xira, por António Redol e José Medeiros Ferreira com a presença da Presidente da CM Maria da Luz Rosinha. Em nome dos autores falou Jaime Mendes cuja intervenção se apresenta a seguir.
 
Na mesa: Joaquim Letria, Gomes de Pina, Mário Lino, António Redol, Medeiros Ferreira, Maria da Luz Rosinha, Jaime Mendes, António Baptista Lopes, Paula Mourão, Raimundo Narciso, Noémia Aríztia e Teresa Tito de Morais Mendes. 
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Jaime Mendes: "Cabe-me a mim, o privilégio de falar em nome dos 8 autores, já conhecidos pela “malta do livro”. Depois do grupo ter sido tão bem representado pelo Raimundo, no Salão Nobre da Reitoria em Lisboa, imaginem que para o evento até pôs uma gravata, pudera ficou sentado entre o magnifico reitor e o nosso Presidente Jorge Sampaio, que apresentou “a obra”, num lindo salão repleto de amigos e curiosos, com a contribuição artística de Carlos Mendes.
A seguir foi a Teresa, em Coimbra, na Casa Municipal da Cultura, acompanhada de 2 amigos José Manuel Pureza e Manuel Alegre que tiveram a ingrata tarefa de travestir um livro de memórias num livro histórico, chegando até a sugerir que se realizasse um filme. Bem – Hajam.
É a primeira vez que uso tal expressão, o meu pai, maçon e anti clerical ensinara-me que era uma saudação carregada de conservadorismo, com cheiro a sacristia, mas desde que ouvi o secretário-geral do Partido Comunista a finalizar assim o seu discurso, na Comemoração do Centenário de Álvaro Cunhal, talvez o meu pai estivesse errado.
A cidade invicta, não podia ficar para trás até porque parte das minhas memórias escritas passam-se lá. A tarefa de nos representar desta vez coube ao Mário Lino, que o fez no Palacete dos Viscondes de Balsemão, com toda a segurança; pois o Porto está na margem norte do Tejo.
E a apresentação esteve a cargo de Augusto Santos Silva e do médico maiato José Ilídio Ribeiro.
A última apresentação do livro, organizada de maneira magistral pelo Gomes de Pina, o Beirão, no lindo Solar do Vinho do Dão, que foi o nosso porta-voz, tendo convidado, dois beirões, regionalismos à parte, para falarem: o Coronel Fernando Figueiredo e Correia de Campos.
Mas estes eventos só foram um sucesso devido ao profissionalismo do Editor da Âncora, António Baptista Lopes.
Esta editora faz-me lembrar uma história real passada com um escritor norte  americano que como os seus livros não se vendiam, mudou para outra mais agressiva que lhe preparou apresentações em todas as terrinhas do país. A meio das apresentações normalmente em livrarias das cidades, com uma frequência de 10 a 15 velhotes, desistiu. Qual não foi o seu espanto quando ganhou o prémio Pulitzer nesse ano. Moral da história; um dos velhotes era pai de um dos membros do Júri do referido prémio.
Vou, então, executar tão ciclópica tarefa de representar os demais autores, com a responsabilidade acrescida de ser no museu do neo-realismo, que desde já agradeço a cedência do espaço, na pessoa de António Redol.
Nós, somos a geração que veio imediatamente a seguir, direi mesmo que quase todos nós, jovens comunistas, aprendemos a ler com Soeiro Pereira Gomes, Manuel da Fonseca e Alves Redol.
“Para os filhos dos homens que nunca foram meninos, escrevi este livro” dizia Soeiro nos Esteiros.
Para vocês, fangueiros dos campos da Golegã, escrevi este livro. Que algum dia o possam ler e rectificar – porque o romance da vossa vida só vocês o saberão escrever.” Escreve Alves Redol em Fanga.
Homens como estes morrem sempre cedo demais. As vidas esfumam-se quando ainda têm uma infinidade de coisas a ver e a dizer. A única compensação que existe para este destino é a continuação pelas gerações mais novas a quem transmitiram o testemunho.
Foi este desafio que o nosso anfitrião tomou em suas mãos com esta obra; o museu do neorrealismo, que só podia ser em Vila Franca de Xira, a terra de onde partiam os barcos dos célebres passeios do Tejo.
Já tinha ouvido falar de António Redol, por familiares deste, antes de o conhecer. Convivi com ele durante a greve estudantil de 62, onde ele actuava na Secção de Propaganda da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico. O Técnico tinha a Associação melhor estruturada da Academia de Lisboa e exerceu um papel preponderante na greve, por outro lado, o trabalho das secções de propaganda foi importantíssimo, com comunicados a saírem diariamente e distribuídos por todas as faculdades de Lisboa, durante meses. O que foi uma verdadeira dor de cabeça para a PIDE que nunca conseguiu localizar as impressoras, na altura offsetes.
António esteve ligado a esta secção, até ao ano lectivo de 63/64. Como se pode comprovar pela FOTO do livro em que pousa para a fotografia com um exemplar de um jornal acabado de sair, e foi presidente da Associação em 1965/1966, curiosamente um ano depois de Mário Lino, um dos autores do livro.
Foi também da direção do cineclube universitário, organismo circum-escolar, como se designava na época. Esta organização, teve um papel fundamental na formação das consciências estudantis na luta contra o fascismo.
Formou-se em engenharia química e trabalhou na EDP.
É um dos estudantes presente na já célebre fotografia do Livro. Apesar de ter participado no primeiro convívio na nossa casa em Santarém, declarou-se logo impossibilitado de colaborar devido ao trabalho em que estava e está empenhado no museu do neorrealismo.
Medeiros Ferreira, é outro dos apresentadores do livro e também meu amigo de longa data.
Outro dia, a mulher Maria Emília Brederote, pediu-me amizade no facebook , coisas que acontecem frequentemente nas redes sociais.
A minha amizade com o casal tem no mínimo cinquenta anos. O José Medeiros Ferreira foi um dos grandes dirigentes estudantis, até à sua expulsão de todas as universidades do país, durante 3 anos. Tendo também como alguns de nós sofrido a prisão e o exílio. Era assim o fascismo. Distinguiu-se no ano de 62, pela sua facilidade oratória e pelo forte sotaque micaelense, que o meu saudoso irmão Abílio, imitava na perfeição.
Não vou falar do seu extenso currículo, como politico e universitário, senão ficaríamos aqui toda a tarde. Trajecto por todos conhecido, deputado à Assembleia Constituinte, secretário de estado, ministro dos negócios estrangeiros, professor universitário, comentador e benfiquista.
Seguimos caminhos paralelos, mas julgo que este facto, em nada enfraqueceu a nossa amizade. Exilados na Suíça, nos mesmos anos, separavam-nos cerca de sessenta quilómetros, ele em Genebra e eu em Lausanne e diga-se em abono da verdade também atitudes políticas diferentes dentro do combate ao fascismo. Contudo, encontrámo-nos algumas vezes e em comum tivemos a vontade firme de regressar a Portugal, como única opção.
No regresso, ambos sofremos alguns entraves na realização da vida profissional, como sempre aconteceu neste país com os estrangeirados, desde Luís António Verney, no seculo XVIII.
Aos dois agradeço o terem aceite o convite para apresentarem o nosso livro.
Em todas estas sessões os colegas que me precederam, falam de como surgiu a ideia de escrever o livro, a tantas mãos, quantas as possíveis, mas eu não me vou alongar sobre este tema.
À duvida do que fazia um estudante de medicina no Técnico, a resposta é simples os meus pais moravam na Alameda Afonso Henriques.
Como um bom vendedor aconselho-vos a comprar o livro e para matarem a curiosidade leiam a Introdução: De uma foto, em 1963, a um livro, em 2012. O título diz tudo.
Abro aqui um parêntesis, para vos contar uma história lisboeta: Era hábito nos meses de Junho/Julho, época de exames ouvirmos um foguetório na Alameda o que correspondia a mais um engenheiro que se formava e por cada ano passado no Instituto lançava-se um foguete. Passados muitos anos, regressado da Suíça fui morar para as Olaias e todos os fins de mês era um foguetório pegado, fiquei curioso e perguntei se os exames finais podiam ser todos os meses do ano. Foi quando para meu espanto me explicaram que os foguetes vinham de Chelas e serviam para anunciar a chegada da droga. 
Fechando parêntesis, vou dar-vos uma novidade em primeiríssima mão, a nº 6 da foto, a rapariga que ficou registada no livro, por não identificada, e lhe apelidaram maldosamente de Mata Hari, já é conhecida, tinha-se remetido ao silêncio, tal freira carmelita, mas foi traída e identificada. Surpresa ou não, é uma grande amiga também como a todos os outros, separada pelas estradas da vida.
Os segredos neste país são difíceis de guardar. Faz-me lembrar um amigo brasileiro, infelizmente já falecido, que viveu em Portugal durante o PREC, período em que as notícias sigilosas chegavam a ser várias por dia e contraditórias, dizia na sua graça habitual quando lhe pediam segredo: - Está tranquilo, cara, essa fica entre nós e o povo.
Só nos falta descobrir quem foi o fotógrafo, a minha teoria é que era uma máquina de disparo automático. Garanto que já existiam há cinquenta anos.
 Last but not least o livro é acompanhado de um marcador, cópia de um mural pintado no largo do Calvário pelo nosso querido amigo Francisco Ariztia, em 1975.
Para quem não saiba o Pancho é casado com a Noémia de Ariztia, née Simões.
O livro se não serviu para mais nada, valeu por ter trazido ao convívio, os amigos afastados pelos caminhos dispersos.
Para gozo de todos nós, os encontros continuam, a pretexto de mais um lançamento do livro especialmente acompanhado de arroz de polvo, chanfana, cozido à beirão ou dum sável com açorda.