Eram 11 horas de domingo, 28 de Abril de 2013. Estávamos no auditório da feira OVIBEJA. Decorria a apresentação do livro A FOTO e o reencontro meio século depois. Já tinham falado António Baptista Lopes pela editora Âncora e António Sancho, director da revista MAIS ALENTEJO, que fez a apresentação do livro quando anunciaram: "E agora tem a palavra Noémia de Ariztía, que vai falar em nome dos autores.
" Ecoou então pela sala um expectante silêncio enquanto, meio sussurrado, se ouvia uma voz de criança chegando-se à mãe "É aquela do cabelo encarnado?"
NOÉMIA DE ARIZTÍA:
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Todas
íbamos a ser reinas,
de cuatro reinos sobre el mar,
de cuatro reinos sobre el mar,
Assim
começa o seu poema Gabriela Mistral, poetisa chilena Prémio Nobel da Literatura
em 1945.
Nós,
pelo contrário, nos idos anos de 63, sabíamos que o nosso futuro não estava tão
garantido. Mais exactamente, era muito incerto. Jovens todos a despertar para a
vida mas já com uma consciência muito clara das injustiças que então se viviam
em Portugal, só as certezas da juventude nos animavam.
E um
dia, já entrados em idade, voltámos a encontrar-nos e decidimos rever os nossos
percursos. O pretexto foi uma fotografia esquecida durante quase 50 anos e
encontrada, já um pouco amarelecida, no fundo de uma caixa.
Descobrimos
então que embora nenhum de nós tivesse sido rei nem rainha, todos tínhamos
conseguido ultrapassar os perigos das perseguições da polícia política (a PIDE)
e os altos e baixos de uma vida para todos nós bastante acidentada e
imprevista. E descobrimos também que aquilo que nos unira lá longe, há 50 anos,
nos continuava a unir – a comprovada amizade e uma ética de vida, princípios e
lealdades que hoje, na catastrófica situação política que o nosso país vive, se
afirmam mais necessárias do que nunca.
Foi
esse relato que decidimos fazer ao escrever este livro. Na fotografia original
aparecem 21 jovens estudantes – a maioria já na universidade e outros ainda nos
liceus. Diligentemente o Raimundo Narciso conseguiu encontrar-nos todos, mas
soubemos então que 2 amigos tinham já falecido. Dos restantes 19, por
dificuldades várias, foram 8 os que se decidiram a empreender a tarefa de
relatar as suas vidas.
São
eles, e refiro-os pela ordem em que aparecem no livro:
O
Joaquim Letria, brilhante jornalista e sobejamente conhecido, não necessita de
apresentações. No seu texto ele recorda-nos e retrata-nos a todos quando
jovens. E devo confessar que o seu texto muito nos emocionou.
O
Jaime Mendes, médico pediatra, a quem agradeço o cuidado com que diligentemente
acompanhou a infância dos meus filhos, relata a sua acidentada fuga a salto,
guiado por um contrabandista, depois de descobrir a traição do funcionário do
PCP Nuno Álvares Pereira. A sua chegada
à Suíça, onde se formou, se casou com a Teresa Tito de Morais e nasceram os
seus dois filhos. E depois o regresso, já depois do 25 de Abril, e a obrigação
de cumprir o serviço militar. Como médico foi enviado para a região de Viseu,
integrado nas Campanhas de Dinamização e Acção Cívica, tão importantes naquela
época em que ainda não existiam nem Centros de Saúde nem Médicos de Família.
O José
Gomes de Pina, Engenheiro civil com intervenções profissionais em várias obras
que marcaram a nossa modernidade. Vindo de Viseu para estudar Engenharia no
I.S.T., descreve-nos a adaptação e integração de um jovem “beirão” na grande
cidade que era a capital do País e a descoberta dos valores da vida associativa
na Associação de Estudantes do IST. Foi o único deste grupo que fez o serviço
militar em África, Angola, já como Engenheiro.
O
Mário Lino, Engenheiro também sobejamente conhecido, fala-nos dos seus anos de estudante
vindo de Moçambique, e cito as suas palavras – “foram anos extremamente ricos em acontecimentos nos planos nacional e
internacional, que marcaram indelevelmente a minha formação cívica, politica,
cultural, científica, técnica e profissional, influenciando o meu futuro como
homem e cidadão”.
A
Paula Mourão, Geóloga nascida em Moçambique e casada com o Mário Lino. Traz-nos
as imagens de África, tão presente na nossa história e também a adaptação de
uma jovem (desta vez no feminino) à vida na metrópole. Fala-nos também da
prisão do seu companheiro – o Mário Lino – e do seu regresso a Moçambique,
desta vez como cooperante, já casada e com os seus dois filhos.
O
Raimundo Narciso, que durante 10 anos viveu na clandestinidade com a sua
companheira, a Maria, como funcionários do PCP, e que conseguiram a
extraordinária proeza de nunca terem sido presos. Foi ele também o responsável
pelos vários contratempos criados pela actuação da ARA no tempo “da outra
Senhora”. De nós todos, o Raimundo foi o que teve um percurso político mais
empenhado. No seu texto o Raimundo imagina como teria sido a reacção daqueles
jovens se tivessem sido de repente, assim, por artes da super-tecnologia,
confrontados com a actualidade.
A
Teresa Tito de Morais Mendes, minha amiga desde os primeiros anos do Liceu, ela
ainda de caracolinhos e eu de tranças, fala-nos do seu avô, o
Almirante Tito de Morais – figura marcante da nossa República que no dia 5 de
Outubro bombardeou o Palácio das Necessidades e que para nossa vergonha já não
é um dia para ser recordado como heróico, e fala-nos também do seu do seu pai,
um dos fundadores do Partido Socialista. Conta-nos também como aos 18 anos a
PIDE a foi buscar ao avião que a iria levar ao exílio na Suíça, os meses de
prisão, finalmente o exílio na Suíça, onde se casou com o Jaime Mendes e teve
dois filhos. E depois o regresso a Portugal e a criação do Conselho Português
para os Refugiados, que exemplarmente preside tentando dar apoio aos que, como
nós naqueles anos cinzentos, continuam a necessitar fugir dos seus países e
encontrar um refúgio digno de um ser humano.
À
Editora Âncora e ao António Batista Lopes por ter acreditado que o nosso livro
valia a pena.
Ao Dr.
António Sancho, ilustre Director da revista "Mais Alentejo", que
amavelmente acedeu a fazer aqui a apresentação do nosso livro.
E à
OVIBEJA, que nos cedeu este espaço e nos permitiu contar aqui as nossas
histórias.
Só
quero aqui fazer mais uma referência. A homenagem à proverbial boa cozinha
portuguesa - nos animadíssimo almoços em que, com o pretexto da preparação dos
nosso textos, íamos festejando o nosso reencontro e em todas as apresentações
deste livro realizadas em Lisboa, no Porto, em Coimbra, em Viseu, em Vila Franca
de Xira e agora em Beja, onde nos deliciámos com as variadas especialidades
características de cada região, numa insofismável demonstração de que o nosso
pais, embora pequeno em extensão, é enorme em qualidade de vida. Urge por isso
defendê-la custo o que custar.
E
termino como comecei, com palavras de Gabriela Mistral
"En
la tierra seremos reinas,
y de verídico reinar,
y siendo grandes nuestros reinos,
llegaremos todas al mar."
O nosso reino é enorme, e
chegaremos todos ao mar. É esta a certeza que nos move.y de verídico reinar,
y siendo grandes nuestros reinos,
llegaremos todas al mar."
Noémia de Ariztía
Beja, 28/Abril/2013